segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Dos sonhos não sonhados

Sonhos e Pesadelos

Há certos sonhos que nunca sonhei, seja por que nunca tive a criatividade ou a audácia necessárias para tanto, o que inclui aqueles que eu mesmo não sei (ate hoje não sei que sonhos são esses) e aqueles como conquistar o mundo, criar um país com o meu próprio nome, mudar as leis da física ou experienciar toda a essência da vida. Seja sonhos que se materializariam como pesadelos para mim, mas são sonhos para outros, como: o encontro na rua de duas escolas de samba, conhecer a Disney (sério, nem quando criança) ou subir o Everest (eu amo montanhas, mas as pequenas ou as metafóricas). Pois, então, no meio desses sonhos impossíveis e os sonhos pesadelos realizei um nesses últimos dias. Mas antes, devo eu apresentar alguns pontos.

Uma amiga escreveu que o envelhecimento não é amadurecimento (síntese da idéia). Eu acrescento que todo amadurecimento segue com a estabilização de algumas idéias. Envelhecer é necessariamente se firmar em algumas idéias e nelas definir algo tão indefinível quanto o ser, quanto o próprio eu. Essas definições não norteam apenas coisas como: “odeio abacaxi”, “gosto de vermelho”, “prefiro praia ao invés de montanha”. Essas escolhas também definirão coisas como se divertir, o que vai comer e quando fazer e com quem vai ficar em qual lugar. O problema da adolescência de saber aquilo que é, fica para trás e, com ela, talvez a possibilidade de conhecer pessoas de gostos diferentes daquilo que você escolheria para você mesmo. Findemos essa análise, já que dizendo que a velhice fecha as possibilidades de abertura para as novidades diz se tudo.

Aonde estive nesses últimos dias, para que eu tenha posto essas duas análises? A princípio elas não se comungam, mas antes deixa eu fechar as duas pontas. Por certo o envelhecimento retira do reino da possibilidade um infindável conjunto de sonhos, já que nossas escolhas irão se limitar e sem essas os sonhos possíveis acabam sumindo. Em última análise, a meu ver, morre-se antes com a própria rabugice, que por doenças. Sem vontade de viver sobrevém a sobrevida.

Aonde eu estive? Comecemos por um enigma. Eu fui aonde não estive, coexisti com aquela que eu não conhecia e nem direito vi, mas vi o que muitos invejaria e fui para estar com alguém que eu sempre amaria. Eu fui no show da Madonna, Custo? Somente o da paciência e de uma aspirina para dor de cabeça. Vontade de repetir? Nenhuma, mas sei que se a Cher vier ao Brasil eu vou odiar, mas irei, pois quero estar próximo nesses momentos importantes para quem eu acho importante. Ahh sim, também fui, pois foi de graça e de graça até injeção na testa.

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Assim que eu cheguei perdido, estava só, triste e a quantidade de gente, repórteres (repórter não é gente?) e som me deixou temeroso. Rodei completamente o Circo Máximo e, é claro, todos os palhaços estavam fora fazendo as suas palhaçadas, pulando, afetando-se, desorientando, exibindo-se e enlouquecendo. Pus o capuz, mas queria uma capa de sombras para que eu rastejasse nas trevas e me tirasse de lá. Corri para a fila que eu deveria estar, mas a desorientação daquele que me orientava me fez gastar um tempo precioso, mas serviu para que eu, andando, fizesse algo para me acalmar. Depois de algum tempo descobri onde era, eu e o meu Sol fomos para a fila.

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Se havia um ponto de discussão esse era a curva que a fila dava e nós éramos a sua prolongação. Nessa mesma fila conhecemos pessoas que se moverem de além dessas terras para conhecer uma única artista. Mas como tudo começou na fila, tudo terminou por lá.

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Entramos. Balbúrdia. Som. Escolhemos um lugar e o mais perto que ficamos, foi o mais longe possível. Durou muito tempo para mim, o meu tédio, a “música”, a dor causada pela batida eletrônica, dor essa que é a mesma daquele que come jiló o desprezando, tornavam a previsão de uma estadia por lá um verdadeiro inferno. As luzes se apagaram, o “M” se acendeu de roxo, o telão mostrou uma bola correndo e naquele instante meu corpo se esvaziou. O conteúdo saiu da forma como para escapar daquilo que o machucava, pois assim deveria fazer. Quando a música começou, eu não estava mais ali.

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“Você está coexistindo com a Madonna”. Essa foi a fala fatídica da Pedra que rogou uma praga, agoro, ou punição. Ela estava lá, dançava, cantava e tentava me hipnotizar. Poderia estar coexistindo com ela, mas também coexisto com a Pedra da Gávea, que vejo quase todo dia e se faz como marco para saber que estou perto do meu trabalho. A distância que eu tenho normalmente desse marco é a mesma que existia entre a Madonna e eu – corpo e o dobro dela com a minha alma, que minuto a minuto se desvanecia no espaço. Coexistia, mas não convivia, cooperava, comunicava. Enquanto todos dançavam, eu me encapuzava, fechava e me excluía. Definitivamente esse não era o meu lugar.

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“Ela não tem o meu nome”.. Dentre muitas das músicas apresentadas uma que me chamou a atenção foi aquela que pude melhor traduzir. Ninguém é o seu nome, nem o artístico. A tentativa de se reinventar fez e faz parte da história dessa mulher e isso parece querer incluir o próprio nome que ela mesma inventou. Mas a sua reinvenção tenta levar não somente a alegria ao coração de muitos, ou o dinheiro para sustentar os seus filhos, ela tenta também levar uma mensagem ao mesmo tempo espiritual, política e moral. Se houve algum momento que me impressionou, foi esse: o de que todos cantavam a mensagem que não entendiam. Cantaram, dançavam, ouviram, mas por certo não entenderam. Não duvido da capacidade de compreensão de mais de 70 mil pessoas, mas sim da forma apresentada. Há um ponto que precisa de equilíbrio entre a forma e o conteúdo e, quando a forma supera a mensagem que deseja passar, ela, a mensagem, fica sem platéia que possa lê-la. Com certeza esse é o tipo de problema que tanto outras bandas, ou livros, ou publicidades, ou até filmes, ou documentários passam e cada um deles acha uma forma de fazer isso da melhor forma possível, a meu ver, Madonna não conseguiu fazê-lo.

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Então a distância final veio, a dor corpórea aumentou de sobremaneira a dor emocional. Veio a tontura, com ela eu sentei e se juntou a ela a cobrança, a pior de todas. “Você deveria estar ao lado da Pedra, por que você não ficou feliz? Deveria, para que ele fique mais feliz.” Dentre essas e outras frases perturbadoras, fez com que eu quase quebrasse uma das minhas antigas regras, a de não choras em público. Não importa, já estava feito, nessa hora eu tinha fugido para dentro de mim, um lugar que a dor não me alcançaria, nem ela e nem ninguém. Queria o mais rápido sair dali e sai. Mesmo no meio da multidão, segui o caminho para casa e com ela eu iria até um terço do caminho. Descansei e dormi só no dia seguinte.


Mas e hoje? Vivi um momento histórico para a cultura pop brasileira contemporânea, mas poderia não ter ido. Pergunto-me se aqueles que virem pela televisão não terão a mesma experiência que eu? Não coexistirão com a própria Madonna? Quem pode no mínimo olhar diferente foram aqueles da turma do gargarejo que viram a cantora perto demais. E eu? Eu não estive lá. Eu não fui ao show da Madonna.

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