quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Uma Noite Sem Luar - Parte II - As sombras e a Serpente




Para nenhum deles havia qualquer passo vacilante diante da escada escura, para os três que desciam a escada no escuro, não havia medo, mesmo que o barulho a frente, um forte silvo, atemorizasse qualquer um. Quando, ao final do último degrau, a luminosidade castanha do freehold se apresentava, ora pelas tochas quiméricas que nunca se apagavam, ora pelos nuncas que detinham a mesma tonalidade de cor, os recém chegados alcançaram o hall de entrada do freehold dos espinhos. Eles foram recepcionados por essas pequenas quimeras que não conheciam inimigos nem amigos, mas esses também foram os primeiros a se alvoroçarem e fugirem posteriormente, ao saque da pequena adaga quimérica nas mãos do sluagh Walt.

O hall se estendia em um longo tapete vermelho, com trançados geométricos e as paredes laterais desfraldavam longas malhas que quase tocavam o chão e nelas cingiam o símbolo de uma águia estilizada segurando em uma das garras um besouro negro. Ao fim do hall surgia três pequenos degraus e um trono central. O trono não estava só, uma imensa serpente enroscava onde havia a cadeira “real”. O silvo, longo era produzido pelo vibrar daquela língua bifurcada que pressentia a chegada dos invasores.

“Sinilas, quanto tempo, nobre amiga”. O velho atrás de Walt, Slurth, saia do fundo da comitiva, chamando a atenção para si. O mascarado ao seu lado só olhou da face de Slurth para a cobra e da cobra para o velho Sluagh. “Sim, dentre as muitas coisas roubadas por Lord Yshilan, uma delas foi a minha inestimável parceira Sinilas”. A cobra abriu a boca e posicionou-se para o combate, com mais da metade do corpo ereto, mostrava o seu tamanho, que quase chegava ao teto e o resto do mesmo corpo, pousava ao redor da mesma cadeira. “SSSSSSSSssssssshh Cale-sssse SSSSsssslurth, daqui você não irá passar, mais um passo que der, eu irei investir em ti”. Apesar da ameaça, tanto a cobra, quanto Slurth sabiam o resultado daquela contenda, ao menor movimentar dos braços e do corpo de Slurth, Sinilas seria derrotada e toda a sua composição quimérica poderia ser redesenhada pela vontade soberana daquele velho bruxo nominalista.

“Detenha-me então.” Essa foi a ordem de comando, Walt, que havia já se esgueirado para as sombras, desde a chegada ao hall, agora corria por ela com velocidade e cautela para as portas que se encontravam a passos a esquerda e a direita da cadeira, que ficava no meio no centro do hall, porém mais ao norte. Bem por causa disso a cobra se enroscava na cadeira, o que dava a ela mobilidade para impedir a passagem por uma daquelas portas, fosse com a cabeça, ou com um golpe com o rabo. Toda a extensão da cobra poderia cobrir o espaço entre as duas portas e sobraria, ainda, sobrava um pouco de couro de cobra para continuar enroscado no trono.

Walt correu, a simples ameaça do corpo de Sinilas de cair para a esquerda, direção que tomava Walt, fez com que uma pequeno dardo voasse pelo ar e atingisse a parede ao lado da serpente. Sinilas teve que parar, enquanto Walt passava. Fosse quem fosse o mascarado, o problema não seria a maior contagem, mas sim o próprio Slurth e Slurth sabia de sua própria vantagem, diante da serpente.

“O que vocccccê pretendesss aqui, SSssssslurth?”, Sinilas pretendia atrasá-lo com perguntas, esperava que com essa atitude o fizesse atrasar o suficiente para que viesse o reforço. “Tomar aquilo que não há proteção, se não há proteção, se o glamour não está sendo garantido proteção, então deve ser tomado, antes que a banalidade o faça. Ou seja, vim salvar você e todos as quimeras que fazem aqui residência”. O som gorgolejante da sua fala terminou com um sorriso que era ao mesmo tempo sarcástico, quanto diabólico. Antes que a serpente pudesse desviar, voou outro dardo, saindo rápido debaixo das mangas de Slurth. Apesar de ter atingido Sinilas, os dardos não foram suficientemente fortes para passar pela grossa camada de escamas naturais da serpente, que veio em investida para os dois invasores.

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Em meio ao escritório, o pássaro voava e revoava, grasnava de uma forma selvagem e incontrolável. Ele tentava chamar a atenção do homem que estava sua frente, mas esse só queria que ele sumisse o mais rápido possível. Da sua boca nojenta um líquido escuro e fedido saiu, parte daquele jorro caiu na estáua onde estava empoleirado, mas seu gesto rápido foi invisível para os olhos daquele homem e deixou parte daquele líquido nojento cair no copo de café que ele usava para beber. A ave fez um rasante e passou pela janela aberta e do lado de fora esperou, espreitando nas sombras. Depois de alguns minutos o mesmo homem bebeu do café e um luta sutil deu início. A frieza da banalidade gradativamente cedia espaço para a beleza do glamour que preenchia o ambiente com calor e brilho. A ave, já homem bateu na janela, yshilan virou e perguntou o que você aqui faz. Corbin apenas abriu um sorriso e começou a tagarelar as mentiras, as melhores que poderia contar.

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O corpo pesado atingiu o ponto preciso entre o mascarado e Slurth, que tiveram apenas que desviar um para cada lado. Sinilas percebeu, nessa hora o erro, ela tinha ficado de alvo entre os dois agressores, tendo agora dois alvos em direção diferente, tornaria o trabalho de esquiva dela muito mais complexo. O mascarado sacou uma pequena besta que mirou em um dos olhos da imensa cobra, porém, um pouco antes de atirar, o corpo pesado da cobra esmagou ele contra a parede, fazendo com que isso baixasse a guarda da cobra para uma investida forte de Slurth no corpo da serpente, bem próximo do ouvido quase surdo da serpente ele disse: “Redença agora quimera burra, antes que eu realmente queira acabar com você” Ao dizer isso Slurth jogou o seu peso na pequena faca, encravando-a mais fundo e posteriormente pulando para trás. A serpente abriu a sua imensa boca e da bolsa de veneno que se escondia debaixo da língua bifurcada projetou um longo jorro de veneno e ácido que saiu verde e causticante. Ainda que Slurth tenha conseguido pular do ataque, a sua velocidade não fora o suficiente, causando um pequeno dano na altura de sua perna. “Ótimo”, pensou Sinilas, “agora é a minha chance de esmagá-lo constrigindo o seu corpo”. O seu rabo voou como uma seta, desenroscando da cadeira e indo em direção a Slurth. Enquanto o rabo se aproximava as mãos de Slurth encravavam na própria pele, como se ele quisesse se ferir, da sua boca saiu uma voz pouco conhecida, ainda que baixa. Enquanto essa cena de autoflagelação era executada, a cobra passou a se contrair de dor. A faca encravada por Slurth começava a rodar e penetrar mais fundo, por vezes, a mesma faca afrouxava, rasgando parte da pele e da gordura, indo mais fundo. Em meio a sua concentração no cantrip Slurth disse: “Então Sinilas, onde está aquele que deveria te proteger, não você a ele.”

A resposta veio rápida. O corpo, ainda que altivo, demonstrava uma velhice que não pertencia a Yshilan há anos. A barba por fazer, as roupas quase sem brilho ou vigor, constatavam com a memória que Slurth tinha daquele duque, a banalidade cobrava um preço, por vezes alto, ainda que sutil. Slurth apenas riu, mostrando uma risada insana, enquanto sempre poderia contar com as artes das andanças, que Yshilan, no qual Yshilan era um mestre insuperável.


Owen Phillips

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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Uma noite sem Luar - Parte I


Uma pequena neblina eclipsava todo o pátio abaixo. Brinquedos infantis, gangorras, e travas de futebol eram apenas vultos leitosos nessa noite e essa era uma noite sem luar. Os brilhos da cidade londrina, as nuvens e a poluição escondiam todas as cores do céu. O vulto enegrecido erguia-se na ponta do telhado, do mais alto prédio daquela região. Aos olhos desse vulto, a escola, com seu pequeno parque, brilhava com uma luz oculta, quimérica que poucos notavam e aquilo o arrepiava em um sentido que nenhum mortal poderia ter. Para ele aquilo não era simplesmente uma fonte de poder, mas era um instrumento de vingança e ele riu. A figura pequena aproximou-se a figura oculta nas trevas e, como um pedinte sussurrando avisou: “A máscara já foi posta senhor, ao meu ver, o trabalho ficou muito bom”. Em um gesto, o mesmo ser apenas fez com que ele se calasse. A voz saiu do capuz, como a voz de uma gárgula que cuspisse água da chuva: “Onde está Corbin?”. O jovem, que apareceu logo em seguida, trazia manchas negras na altura do nariz, as sobrancelhas grossas e com a parte do maxilar posterior mais proeminente, traços, que pela escuridão ao redor, fazia uma mescla de homem e corvo.

“Sim, fale” A voz esganiçada parecia o som produzido pelo arranhar de garras em um quadro negro. “É a sua hora Corbin, faça o que eu lhe pedi e só temos uma chance. Vá.”. Enquanto o vulto olhava ao redor, buscando os irmãos Crimson, a ave negra surgiu das suas costas, voando para o mais longe possível. “Senhor, não sei onde está Al e nem Gal.” Não se poderia dizer se aquilo o havia contrariado, ou, até mesmo feito feliz, já que nenhum traço do seu rosto poderia ser visto por debaixo do escuro que o capuz projetava, mas Walt, o pequeno garoto pedinte, sabia que tanto Gal e Al poderiam ser ganhos importantes para essa investida. “Eu sei Walt, os dois estão sumidos há duas semanas e isso me preocupa”. Não havia nele um tom real de preocupação, mas apenas uma pequena ponderação, o único lugar que os faria desaparecer tão prontamente, seria, agora, o único lugar que ele não tinha poder para alcançar. Se isso fosse verdade, se esse pensamento fosse real, alguma informação havia sido omitida dele. Não era hora para aquilo. Os seus olhos percorreram e via, estavam todos lá. Que começasse o ataque definitivo.

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Os quadros inúmeros da parede eram testemunhas perpétuas, ao mesmo tempo que serviam como um isolante térmico, tudo ali era frio para ele, não importava o calor que havia. Mergulhado em papeis, cercado por trabalho, o homem que estava ali não resplandecia, nem brilhava. O seu pequeno e minúsculo apartamento não era de verdade a sua casa, mas antes um esconderijo. Ele sabia que estava sendo perseguido, para cumprir o seu objetivo, teve que pisar em alguns calos poderosos e isso teria uma reviravolta, em breve. Mas ele não se lembrava qual era o seu real objetivo, apenas uma certeza de que aquilo deveria ser feito e com urgência. Seus planos poderiam ser reduzidos em: cortar financiamentos, demitir pessoal, redirecionar propaganda, apagar fitas de vídeo comprometedoras. Trabalhos que gradativamente apagavam nele alguma chama poderosa e antiga, algo que ele devia preservar.

Naquela noite ele sonhou com reinos de névoa e com uma antiga dama a cantar para ele usando uma harpa. Ele se via deliciando com aquela harpa, a sua voz delicada dizia: “Yshilan, volte para mim, para mim... para... mim... mi”. O som plácido foi cortado por ruidosas batidas na porta. Ainda sonolento o homem foi atender, enquanto andava se perguntava: “Quem poderia bater em minha casa em uma hora tal?”. Ao abrir a porta não havia ninguém, nem perto e nem longe no corredor, havia aquele silêncio imorredouro de um prédio que levava ao fantasmagórico. Um pouco antes de bater a porta pesadamente, uma leve lufada de vento foi sentido.

Quando já na sua sala, escritório e dormitório, Sir Steven Lancaster viu um corvo aninhado em um velho busto de uma dama que usava um elmo. Como em um arremedo de uma poesia antiga, ele quis espantar aquele corvo, mas algo havia nele, alguma mensagem e, um lado por ele esquecido há semanas, não poderia rejeitá-lo. Ele aguardou, até que pudesse entender a mensagem daquele corvo, ou até que aquele velho calor queimasse todo o gelo que o prendia aquela forma mundana.

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Qualquer um que passasse por aquela velha escola, saberia que algo muito ruim estava para acontecer. Um grupo de dois encapuzados estavam na porta, seguido por crianças que no mínimo seriam ditas como sem lar, perdidas ou moradores de rua. O que era escondido pelo glamour seria algo bem mais tenebroso. Mas não havia ninguém naquele horário passando por aquele pequeno distrito residencial em Londres e sem ninguém a observou, jamais descobriram como aquele portão caiu. Duas crianças urraram, filhos do próprio terror. Seus cabelos vermelhos eriçavam, brilhavam em escarlate, enquanto suas bocas desproporcionais ao próprio corpo babavam em fúria e horror. Suas vozes pareciam de mil gritos humanos e o seu tamanho diminuto escondia a força que eles detinham. Os irmãos Crimson berraram como se estivessem em um festim de sangue dos mais violentos. O irmão mais velho correu em direção aos fundos do pátio da escola. Enquanto o grupo principal se destacou em direção aos fundos da escola, próximo a entrada escondida do porão. Naquele momento o barulho já tinha desperto tudo que havia lá.

Primeiro ouviu-se um longo pio, posteriormente o bólido penoso tinha como alvo a figura negra principal e que estava no meio, que era Slurth, mas antes que alcançasse o mesmo, barras de metais retorceram como serpentes e enroscaram na ave quimérica, primeiro nas patas, depois as asas e por o último só ouviu o piar, que era um misto de socorro e aviso. Ele pensou “Não preciso que ninguém diga que estamos aqui”, veio então a ordem: “Walt, após conseguirmos entrar no freehold, vasculhe-o todo, nós daremos cobertura . Você sabe o que eu quero, então, traga". A porta do porão foi aberta com cuidado por Walt e, ao longe, ele poderia ouvir o sibilar leve daquele monstro que seria o seu adversário por algum momento. O vento que soprou em seguida moveu as suas vestes e de seu companheiro mascarado como se as próprias vestes tivessem vida tentacular. “Entre Walt e vocês também, vamos”. A escuridão e a neblina os encobriu, mas nenhum deles se importou com isso.

To be continued

Owen Phillips

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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A Rainha Escarlate



A noite poderia ter começado fria, mas ela jamais sentiria, nem seus pelos eriçariam, não mais. O pior, que nem mesmo lembrança de quando foi a última vez que isso aconteceu estava em sua memória. O carro era veloz, mesmo para as ruas londrinas e o vento que soprava a trazia de volta aquelas memórias. Quando o carro finalmente chegou ao local indicado, o homem que abriu o seu carro, fazia todas as mesuras e dizia: Vossa Alteza Anne, chegamos.

Ela desceu calmamente e aquilo era um contraste único, aquela área de Londres era próximo dos muçulmanos, que infestavam Londres, mas era também um local de pobres, drogados e perdedores e, ali, até a sua não-vida resplandecia diante daquelas trevas inócuas. Com apenas um olhar o negro que a servia como chofer saiu e ficou “de guarda” esperando as novas ordens daquela mulher imensamente linda, aos seus olhos, magnânima.

Anne entrou, sem o menor esforço, naquilo que era uma lavanderia local. As paredes úmidas, as máquinas velhas e o reboco caindo combinavam com a luz tremeluzente de uma fiação ainda exposta. Ela não entendia, ele poderia ter qualquer coisa, mas insistiu tanto em esconder seu imenso poder por detrás de uma máscara tão imunda? Ela não conseguia aceitar isso. Talvez isso o tenha feito perdurar por tanto tempo, mas não a todo o tempo, que isso servisse de lição para ela mesma. Enquanto pensava essas coisas, as suas pernas já a tinham levado para a escada secreta, escondida por detrás de uma placa velha de metal que fazia a vez de um quadro de força. Qualquer um com o mínimo de perícia notaria que não havia nenhum fio de eletricidade que chegasse até aquela suspeita placa de metal. Ela pensou que, apesar de sempre ter se protegido, só se protegeu contra os fracos mortais.

As escadarias desciam por uma escuridão úmida e sem ventilação, ela realmente estava entrando em um terreno escuro e jamais visitado. Um terreno feito para caça e só isso. Ela podia sentir o cheiro de sangue de anos que eram oferecidos a seu Mentor, mas agora eram tudo lembranças. Com o manejar de um dedo a tecnologia do interruptor trouxe a mágica da luz para aquele ambiente lúgubre. Uma enorme sala se descortinou a sua frente e, em contraste da lavanderia que ele construíra na fachada, aquele ambiente era ostentoso de ouro e prata, com imagens de bois nos cantos e uma pequena pira onde, obviamente, punha-se fogo em adoração a “divindade” Mitras. Mas não era o fogo importante, mas sim o sangue e era esse mesmo sangue que chegava agora ao recinto.

O negro estava ajoelhado, semi consciente, com uma fome sobre humana. Seus piores demônios, verdadeiros Shaitans, saiam a beira da sua consciência querendo mais. Havia tanto deles que ele queria um pouco de uma paz vermelha que ele não teria, a não ser que a diabólica londrina a sua frente assim o permitisse. Ele seria torturado e, se sobrevivesse, obviamente veria o Sol, ou as presas daquela beleza monstruosa clássica de Londres.

Anne caminhou lentamente e se apoiou em um dos grandalhões que exerciam tamanha força no corpo daquele Assamita e disse: “Você, realmente pensou que o seu crime seria esquecido? Perdoado? Aceito? Se você tivesse a mínima ideia do inferno que está longe e de que toda a culpa é sua.” A mão se segurou, ela não poderia perder a delicadeza, não na frente de um selvagem assassino.

“Então comecemos, quero informações e daqui não sairemos antes que você me dê tão preciosas informações”. Seus olhos vibravam de excitação, caçar era uma delícia e ela não negava, mas ela sentia mais excitação ainda na tortura, claro que ninguém saberia desse seu prazer sádico, mas pensar que poderia se justificar a qualquer conselho de anciões como “Evitando uma invasão Assamita” lhe dava carta branca até para o delicioso Amarante. Esse nome levava a sua língua em direção aos finos e potentes caninos protuberantes.

Na madrugada do dia seguinte, duas horas antes do amanhecer, Anne, ou a Rainha Anne dos Ventrue, saia de uma velha lavanderia nos subúrbios londrinos. O seu chofer, que havia esperado todo esse tempo como um típico soldado londrino da guarda real, só agora se movia, abrindo a porta do mesmo. Anne entregou a direção sussurrando bem baixo no ouvido do seu chofer, ele consentiu com a cabeça e entrou pela porta do motorista. Naquele momento, sem que ao menos percebesse, por um ato involuntário, ou reflexivo, Anne deixou cair o lenço que trazia a boca. O lenço rodopiou no ar e caiu na sarjeta, a água que passou por essa mesma sarjeta tingiu-se de um vermelho rubro, mas sem alma, sem potência. Ali, era só sangue e nada mais.

Owen Phillips

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domingo, 5 de setembro de 2010

Negociações


Era um dia terrivelmente claro e o seu rosto se iluminava com a luz do fim da tarde. A sua mão segurava o encosto da cadeira e descansava placidamente o peso em cima da mesma. A madeira velha acomodava-se tranquilamente na sua mão, enquanto o seu olhar, penetrante, cheio de dúvidas, espreitava o horizonte, procurando lá, a resposta que o afligia. “Senhor, o Lord de Castlerock já se encontra na ante sala, posso chamá-lo?” Joseph Kingsley voltou dos seus longos pensamentos. Arrumou o terno italiano no corpo, andou até a cadeira, ajeitou o melhor que pôde o seu cabelo castanho-escuro e acenou positivamente com a cabeça. Apoiou o rosto no meio das mãos que estavam cruzadas, quando a porta se abriu não havia um alguém com dúvidas, mas alguém preparado para o pior confronto que teria.

“Sim, podemos, com algum esforço, encontrar o seu filho Adrian Kingsley, porém, senhor tem que entender os custos imbricados nisso. Não é fácil encontrar alguém depois de mais de 20 anos”. O homem começou a falar antes mesmo de ele ter terminado e, pelo jeito, veio preparado para argumentar e, quem sabe, já não teria um plano e um preço? Ele deixou que conduzisse a conversa, queria saber onde iria chegar, para, aí então, poder se pronunciar. “... Dentre todos esses gastos listados, teremos ainda uma equipe permanente para procurar o seu filho, esteja ele onde estiver. O custo para isso? Irrisório, queremos só 5% das ações de todas as suas empresas e participação direta no lucro gerado por ela”.

Aquilo era um absurdo, como poderiam oferecer tanto, por um tempo tão indeterminado e cobrarem só isso? Pela lógica isso esconderia alguma coisa, havia algo particular, sombrio naquela organização. Parando para pensar agora, ele mesmo não conseguia se lembrar como tinha chegado até esse senhor. Lembrava-se vagamente alguém comentando a respeito de uma sociedade secreta. Mas o que mais tinha, durante anos em Londres eram sociedades secretas. A onda do babeuismo se espalhara na Europa e em Londres teria permanecido por mais tempo, especialmente com essa moda da nova-era, resquícios de uns anos 70 e 80 conturbados, qualquer um se dizia seguidor de Aleister Crownley e coisas assim. Mas essa organização específica era qual mesmo? E esse senhor pertencia a essa ordem?

A sua mente tentou focar na proposta e deixar as aleatoriedades para trás. “Creio que a proposta parece interessante, porém, necessito de tempo para pensar, nada disso poderá ser discutido às pressas, acabei de enterrar o meu pai e o abalo causado por isso precisa ser digerido”. O Lorde de Castlerock levantou e, se apoiando nos fortes braços da cadeira, tentou fazer isso da forma mais lenta para que o senhor Kingsley prestasse bastante atenção nele. Com um olhar penetrante e fulminante, quando já de pé, lançou: “Acredito que, o que há de mais importante para alguém seja a família e acredito que para alguém que tanto esperou, esperar um tanto mais não fará diferença”. Diferença? Claro que faz diferença, ninguém sabia o real motivo de tanta procura, o motivo era bem simples, ele iria morrer em breve. O coração foi comprometido, ele não tinha mais resistência física nem para ficar de pé, muito menos seguir com a empresa. Como família, o único que manteria unificado o imenso império industrial dos kingsley seria o seu filho e herdeiro direto, já que uma vez ele não estando os seus primos, tias e parentes iriam lapidar com toda a fortuna acumulada. No final, a procura pelo filho se resumia a salvar um império econômico de quase 300 anos da fome de imensos abutres. Haveria mais? Um sentimento talvez? Ele desconfiava que sim, mas ele sempre foi um homem objetivo e, objetivamente falando, agora ele tinha que encontrar o seu filho para isso e não para sentimentalismos baratos de um homem que estava a beira da morte. Na sua cabeça surgiu à palavra saudade e a pontada no coração veio em seguida.

“Sim, eu aceito.” Lord Castlerock abriu um pequeno sorriso e acenou com a mão, como quem diz que o acordo estivesse selado. “Bem, senhor, eu enviarei os papéis, o qual deve assinar e uma cópia ficará nas mãos do senhor, enquanto outra seguirá para registro em cartório e o original ficará conosco, em breve enviaremos alguém para acertar os detalhes”.

Quando o associado estava finalmente fora do jardim sacou o telefone celular, pequeno o suficiente para guardar no bolso e com inúmeras funções disponíveis, ligou e, tamanha era sua alegria, que o barulho do chamado do telefone parecia uma era interminável. Ainda, naquela noite, Evans riu, riu diante da parte que ele considerava mais difícil ter sido concluída, agora era só uma questão de empurrar a peça de dominó certa para o efeito que esperava.

Owen Phillips

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segunda-feira, 5 de julho de 2010

A Perda do Sonho.


Naquela manhã as mãos suavam e a agitação era incomum. A velha mania de coçar a baba rala na face quase sem queixo reapareceu. Era sintomático, pensou, sempre foi assim, mesmo quando não havia barba, coçar o queixo era o sinal da angústia que queria sair pelas mãos, mãos ansiosas por fazer. Só que agora, diferente de antes, não havia o que fazer, mas sim o que procurar. Ele desceu da velha casa-sotão que ele fizera no segundo andar da sua loja. Lá iniciou, anotou tudo que se lembrava em um papel e pôs a procurar. Sim, contas pagas, pôs um visto do lado do quadradinho. Arrumação do sebo de livros? Visto. Levar o lixo para fora? Visto. Cartas na primeira gaveta de cima do lado esquerdo? Visto. Penteado? Visto. Unha feita? Visto. A lista era interminável, até que se cansou e sentou, não sabia mais o que faltava, tinha chegado ao limite do aceitável, estava verificando já os pregos na estante.

Mas aquela ansiedade não cessava, sentia falta de algo, mas ignorou, a vida seguia e não poderia esperar para solucionar o seu enigma. Virou a velha plaquinha da loja e deixou Open para quem quisesse entrar. Os mesmos velhos amigos apareciam, desde o pequeno ladrãozinho de livros que não tinha dinheiro e que aceitava que lhe furtasse pequenos autores nunca comprados, até ladrões profissionais, vindos da Universidade de Londres e que lhe tiravam autores caros que ele já fazia a preços acessíveis, mas mesmo assim, eles queriam que fosse de graça. Não mais, tinha os velhos e os novos que se encantavam com a beleza que ele criava. A loja era uma pequena casa, que no primeiro andar, se tornou esse sebo com a coleção oriunda do seu pai, hoje já falecido. Ali havia de tudo um pouco, desde livros de bolsos, até velhas enciclopédias empoeiradas que davam um charme com as suas teias de aranhas e suas páginas amareladas. Sim, o teto, que servia de chão para o andar superior, era tomado por uma biodiversidade aracnídea a pôr inveja a qualquer estudioso de insetos e afins. Os seus olhos vagavam pelo teto, perdido nos seus afazeres, quando, do canto superior, viu um espaço vago.

Era isso, um espaço vago que o angustiava. O seu sebo de livros não possuía muitos compradores, por certo, passava dias sem que alguém ali fizesse uma compra vultuosa e para ser um volume que estava perto do teto, por certo deveria ser uma compra imensa. Verificou o número dos exemplares aos lados, números que serviam para a catalogação do imenso acervo de livros. Olhou mais uma vez o livro-caixa e tomou de assalto um susto. Não poderia ser, o número correspondia a SH4K3. Era um livro que não ousava nem ao menos chegar perto, um exemplar antigo de Romeu e Julieta. Não era somente um exemplar, a sua raridade era peso em ouro. A displicência que era posto, meio que de lado no alto da estante era proposital, ali onde estava ninguém enxergaria e se enxergasse não daria valor. Iria acreditar que o livro era alguma enciclopédia que não se vendia mais ou algo pior e baixo. Naquele momento ele deu um salto. “Eu vendi?”. Continuou lendo todo o livro caixa e em nenhum lugar estava anotado um valor que correspondesse ao tanto que aquilo valia.

O susto passou e no lugar ficou o desespero agudo e torturante, como uma fina agulha que perfurasse da sua pele até o seu osso. Fechou a loja no mesmo instante, reorganizou toda a prateleira, repôs os livros umas três vezes antes de se dar por cansado. Não, não estava ali nem lugar algum, não havia sumido, pior, havia sido roubado e não tinha a menor idéia de quem seria. Descobriu como poderia sentir falta de uma daquelas câmeras que pudessem vigiar a loja. Se a metade do dia foi feita para o desespero a metade seguinte foi de uma longa espera na delegacia mais próxima para dar sumiço da sua preciosidade. O preço incalculável poderia aparecer nos jornais sensacionalistas e isso poderia ser pior, até mesmo para as investigações. O delegado jurou que faria isso no maior sigilo possível, apesar do que, não poderia evitar que os policias investigassem a sua loja.

O dia tinha começado com uma angústia, mas ia terminando não com o sentimento de vencido, ou o da perda de um grande valor, porém, com a mesma angústia, a mesma angústia de algo que ainda não foi encontrado. Queria esquecer, descansar, ouvir uma música, comer, trocar de roupa e ter a certeza de que todo esse sentimento ruim sumiria. Quando, já pronto para descansar, foi pegar o que estava na escrivaninha, deixou algumas velhas folhas secas caírem e alcançou, como sem perceber, um caderninho que estava embaixo do livro que lia.

O caderno poderia ter passado sem ser percebido o dia inteiro. Reacendeu a lâmpada para ler o que havia nele. Surpreendeu-se com a escrita, tão delicada que parecia algum caderno antigo, escrito por alguém versado em caligrafia. Nele havia contos incríveis, de reinos perdidos e esquecidos, nomes estranhos, desenhos de mapas, juramentos, versos proibitivos. No fim, na última folha usada e gasta, em uma letra grande, escrito aparentemente às pressas vinha o último dizer: Para mim retornarás, Slurth. Deu de ombros e dormiu, sem nunca saber o que tanto queria encontrar, ou o que afinal havia realmente perdido, talvez, para todo o sempre.

Owen Phillips

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quarta-feira, 2 de junho de 2010

O Vaso e a tempestade




Era um vaso lindo, "porcelana", por certo, chinesa, "com certeza", "perfeito", "claro, foi uma fortuna, mas você mereceu". Os comentários iam deslizando como agrados pelo presente, todos se encantavam pelo novo objeto. Motivo, estética? Não, claramente diziam os elogios que queriam receber quando algo tão novo e belo viesse cair em suas mãos, pois como dizer algo de tão belo sem antes sequer, entender a sua função. Digo isso, pois o próprio vaso não serviria para arranjos de planta, a parte mais ao fundo era quase reto e o líquido ou terra que ali ficasse, por certo, não alimentaria muito mal uma planta. A planta, se crescesse, ainda assim, não poderia se expandir tal a finura da boca do vaso. Mas era lindo, como era lindo, ao menos todos diziam a sua beleza, eu agora tinha lá as minhas dúvidas.

Mas, como na vida, tudo tinha uma função, esse não era diferente. A boca do vaso era tampada, como a própria caixa de pandora e talvez por isso a função de todo bom vaso havia sumido dele, não se poria nada em cima, já que a própria boca se encontrava selada. Guardei o vaso, deixei na parte mais alta e nobre da casa, aquela em que poderia ser visto por todos, admirado, desejado, invejado e até inalcançável. Tentei me lembrar de como pus lá o vaso, mas a memória falhava. Buscava essa recordação para que pudesse tirar de lá aquele velho vaso e limpá-lo, tirar as teias de aranha, abrir aquele gargalo e ver o que tinha dentro e quem sabe colocá-lo em algum lugar novo.

Creio eu, que essa medida se devia muito a necessidade que eu tive de mudar toda a decoração da casa, ela tinha um ar soturno que sempre me encheu de energia, mas quis trocar a cortina, depois, para combinar, pus um novo carpete, então, percebi que nada mais combinava com nada. O pior, que toda a decoração anterior seguia o viés daquela porcelana cara que trouxe eu das minhas longas viagens por paragens mediterrânicas. Era a porcelana a primeira ter entrado e seria a última, por certo a sair.
Subi na escada, infelizmente ninguém dava-me apoio abaixo para subir nela, despenquei no chão e o nariz sangrou. Parei para cuidar dos feridos e tentei novas abordagens. Pensei em laçá-la, mas eu que sempre fui ruim com laços, cordas e toda a destreza física, pus a acertar coisas que não deveria. O vaso continuava incólume, perfeito em seu mar de teias e sujeiras. Pus almofadas espalhadas pelo chão e passei a minha nova tática: jogar pedrinhas, pequenas o suficiente para não quebrar o porcelanato fino, mas suficiente para desequilibrá-lo, levá-lo ao chão afofado pelas almofadas. Errei todas as minhas tentativas.

Pensei, refleti, calculei, cansei. Abri a janela para observar melhor a tempestade que começava e observar os raios, esse espetáculo vivo de potência da natureza. Só que o vento trazido pela chuva, a força da tempestade, arrancou rapidamente as janelas frágeis que ali ficavam e me ajudavam a divisar mundo e casa. A chuva adentrava na minha casa com uma força descomunal, incontrolável, impenetrável, insana, porém, divertida. Divertida por que passei a ver as coisas esvoaçando e planos de decoração indo, literalmente, água abaixo. O som da chuva fazia sons vindo dos céus e eu recebia aquela potência completamente no peito. Não era um Deus louco, nem um vigia pelo desastre, era somente um eu levado por uma sensação incomum e para mim o natural era o incomum até então.

Como tudo, até a chuva passou, pus o que sobrou da janela no lugar, eu ainda precisava da janela e da porta para saber onde era o começo da minha casa e o início do mundo. Olhei para os lados e cortinas destroçadas, carpetes arrancados, quadros revirados. E eu mesmo, pouco poderia fazer para deter tamanha fúria ancestral, quase titânica, tive que deixar aquilo revirar todo o meu aposento. Acabei indo para a cozinha preparar um chá, mas acho que me machuquei com o caco de alguma coisa que estava no chão. Doeu um pouco para tirar, o pedaço era feio, fino, frágil e pude notar nele uma inutilidade ancestral, joguei fora, não preciso guardar cacos de algo tão velho.

Owen Phillips

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terça-feira, 11 de maio de 2010

Aos primeiros passos




Eu havia aqui, bem antes, bem quando chego ao meu canto, um longo texto, facilmente biográfico, facilmente "diarístico". Só que havia esquecido sempre de manter em segredo tudo aquilo que se pensa ou faz. Essa é a terra da informação e uma vez que ela corra para dentro dela, sair dessa terra também o é muito fácil. Por isso, hei de dizer sim dos meus primeiros passos, mas farei de outra forma.

Dos primeiros passos seguiram-se uma afronta: um desejo de passar, de queimar etapas, para que a mim tudo viesse mais rápido. E vindo, sem a adaptação necessária que é feita pela graduação do mais fácil ao mais difícil, tendia eu ir ao chão, tombar. O primeiros passos são também as primeiras quedas. Por vezes, tantas quedas, seriam também as vezes em que o desejo de retornar aos degraus anteriores se fazia presente.

Falo sobre isso, pois, agora, sigo uma aventura, uma doce aventura. Tomado por uma febre enlouquecida, doença infecto contagiosa, ou algum bacilo, desejo seguir em frente, para além das fronteiras que se ergue como sendo a minha casa falada, para encontrar novos e bons ares. Isso dito assim pode parecer categórico, mas não se engane, é categórico. Não desvio de um caminho uma vez traçado, talvez seja a manha e a pirraça característica minha de um menino mimado, ou apenas uma determinação de fogo. Seja lá qual for, não volto e isso significa que novamente, como no meu passado e na minha história, que agora irei andar, sem nunca ter sabido como engatinhar, sem me sentir preparado para isso. Que venha os tombos, precavino-me com analgésicos.

P.S.: A imagem é referente a uma carta de Tarot, muito melhor do que qualquer imagem de pés andando, ou qualquer coisa do gênero. É isso que eu devo fazer e ponto.

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domingo, 4 de abril de 2010

Uma Carta para você



Eu que sou agora o mais antigo aqui guardado, espero ansioso que você sempre me resgate. Os anteriores a mim se perderam, ou mesmo, você teima em dizer que nunca existiram. Mentira, nesse vácuo escuro que perco as minhas partes, eu vi cada um deles sumirem. Alguns eu nem sequer cheguei a conhecer, existiram antes de mim. Creio que, o pior assassino nesse caso, é o tempo, que leva os meus companheiros.

Mas não estou aqui para lamúrias, ou tristezas, eu preciso te dizer uma coisa. Eu realmente não existo sem você, infelizmente, sou tão ligado a você que uma simples negação da sua parte faz com que eu me abale. Existem, aqueles da minha espécie, que conseguem viver com muitos, mas eu sou tão frágil e, por vezes, para você, tão insignificante, que uma piscadela sua faz com que eu desapareça por muito tempo.

Poderia ser inteligente e cruel, como alguns irmãos meus são (e alguns até fizeram isso com você), se eu te tortura-se demais, visita-se com freqüência, ou apenas dissesse que esse era o melhor dos tempos, aí eu viveria mais e mais. Assim eu viveria tanto dentro de você que eu passaria até mesmo ser você. Dúvida? Apenas experimente dizer algo sobre você mesmo que não acabe falando em um dos meus irmãos. Cuidado, melhor não, eu ainda quero estar aqui para terminar essa carta.

Você não precisa me levar para passear no bosque, nem ao menos comprar um sorvete para mim. Nunca discutiremos a relação, sou submisso nesse ponto, o que você achar de mim, assim será. Eu não quero estar ao seu lado o tempo todo, viu? eu nem sou tão grude assim. A relação pode ser ótima, só preciso da sua permissão de que eu continue aqui e que você venha aonde estou, veja-me e depois pode sair. Eu também não preciso de delicadezas e educação, eu mesmo sou até um pouco grosso. Eu só peço: não se espante se algumas partes de mim faltar. Tenho que te dizer que o culpado foi você. Eu sei da minha rudeza e não pense em rasgar isso até eu terminar de escrever. Eu te conheço tão bem, que sei que faria isso na parte que mais te desagradasse.

No mais, eu só queria dizer isso mesmo. Visite-me um pouco, pode até ser nos sonhos, só não faça isso nos pesadelos, não se esqueça uma raiva sua pode acabar comigo. Se não fizer isso, um dia, pode achar que eu fui sonhado e desistir de mim e outro vai tomar o meu lugar. Eu nem iria chorar essa perda da separação, eu simplesmente sumiria.

Assinado: A sua lembrança mais antiga.

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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Observações


A televisão ligada emitia imagens rápidas. O som que saia não era do interesse de ninguém. A criança, ainda pequena, se divertia sozinha com a sua mão, enquanto que a mãe preparava a janta antes que o marido chegasse do trabalho cansado. Uma casa pequena, uma vida pequena. Absorto a existência dessa casa o canal esforçava-se para atrair a audiência com matérias nem sempre interessantes, porém com ótimos efeitos visuais.

- “Agora iremos com a reporte Sylvia Muller para uma série de reportagens sobre desaparecimentos na Inglaterra. Hoje veremos o caso dos parques ingleses.”

O âncora do telejornal desaparece da televisão enquanto a gravação roda no estúdio. As primeiras tomadas tentam chamar a atenção com imagens de pessoas desaparecendo, em puro efeito “fading” a música calma e tranquila tenta transmitir um efeito melancólico. A atenção daquela família continua voltada para as coisas mais importantes, no caso da criança pequena brincar com a mão, e no caso da mãe vê se as batatas estão assando.

- “O maior dos parques britânicos, o parque Richmond a cada ano que passa possuí cada vez menos visitantes. O motivo reside no fato dos desaparecimentos constantes. Só esse ano, no primeiro semestre já foram cem pessoas o número pode ser baixo, diante da população britânica, mas diante da estimativa de público de duas mil pessoas que se ‘arriscam’ no parque no primeiro semestre desse ano, é uma taxa bem alta.”

A reportagem segue para uma próxima etapa descrevendo, com opinião de transeuntes, o medo que se segue por andar em um parque como aquele e como isso aflige a economia do comércio próximo.

- O Richmon Park nem sempre foi conhecido por pessoas desaparecidas, mas antes, pela poesia, pela caçada a veados e por raros besouros que aqui vivem. Há poesias que deram origem a um movimento mundial, chamado de arcadistas aqui, que proliferavam a idéia de um retorno a um mundo natural. Porém, desde o final da década de 60, começaram a desaparecer pessoas e, hoje, o parque tem poucos visitantes.

A cena é cortada, a jornalista se encontra no que parece ser um escritório, ao fundo, o brasão de armas da polícia de Londres e um homem firme, com voz seca responde com exatidão as respostas da jornalista:

- Sim, iremos em breve pôr postos da polícia no parque, assim como câmeras e policiais. O parque deve ser devolvido aos londrinos e não se tornar um local refém do medo. Em contrapartida, aqueles que forem desaparecidos serão reencontrados o mais breve possível. Pedimos que os familiares não se preocupem e tenham fé no nosso trabalho.

A repórter termina, caminhando na beirada de Richmon Park, a sua forma de falar que beira ao desespero termina com uma voz angelical com um ar de esperança e certeza.

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As luzes do monitor, em cores miriáticas, formam o rosto anguloso do homem em vestes formais, enquanto que o outro, apreensivo e feliz, aquece as suas mãos em uma clara ação de excitação, baixinho que só, é a metade do homem ao seu lado. Quando os seus olhos pequenos procuram o homem que o ajudou na ilha de edição, só encontra as suas costas terminando o caminho em direção a porta para a saída da ilha de edição.

- Então, você não me disse o que achou. Creio que ficou bom e a próxima edição será sobre a região de Whitechapel, por mim será uma ótima companhia a sua.

Ele não disfarçava a alegria e usava todo o seu argumento seguidamente para que o mesmo ficasse.

A resposta veio seca:

- Não, aquilo que eu deveria fazer eu já fiz, agora você termina o seu trabalho, tenho que ir.

Os argumentos sumiam da mente do pequeno homem, ele tentava focalizar as possibilidades que poderiam prender aquele gênio no seu canal, mas esses não permaneciam por tanto tempo que pudesse dizer qualquer coisa. Desistiu quando o viu desaparecer por detrás da porta fechada.

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A comida está posta na mesa. A mulher aguarda ansiosamente que o marido chegue. Próximo das dez da noite, enfim, decide ligar:

- Helen? Não, seu marido não veio trabalhar hoje não, pensávamos que estava doente. Helen?


Owen Phillips

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