segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Atos de Liberdade

Ele estava só naquela cabine envelhecida e carcomida pelo tempo. O glamour de uma era fora devorado pelo monstro do tempo e, mesmo com todos os esforços do mundo, nada traria a beleza aquela cabine de trem novamente. A cortina estava fechada, mas era indiferente, estando aberta ou fechada tudo que veria era o negro sem fim de uma noite sem Lua e sem estrelas. Ele cruzava um caminho longo e sombrio, mas não estou falando do trem. A sua mente era assaltada, às vezes por vozes: “Fale de mim, escreva sobre mim, diga sobre mim”. Aquela ânsia insana o atirava as noites escuras entre papéis e uma ou outra caneta. Um dos seus personagens, agora o estava ao lado, enquerindo-o. “Então, quando você me dirá qual fim que eu tomei, não quero ser para sempre o anjo aloirado que ataca uma janela. O que estou fazendo lá?” O colarinho do louco foi erguido por uma força estranha e quem passasse ali e notasse seus pés veria que não tocava o chão. “Eu não sou seu bonequinho, que pode ser esquecido em um canto e quando a tristeza bate você retorna para mim. Diga o que eu faço depois, pois eu não sei e nem sei para onde eu vou”.

Impassível estava o escritor e por assim ficou, não mudaria a face, pois nela estava escrita a vergonha. A vergonha de ter tantas histórias e nada escrever sobre elas. Não poderia dizer que não saberia como terminava, já que ele mesmo não conhecia o final da sua história. Foi um lampejo de um começo, não foi a certeza de que teria um fim. Ele poderia mentir, mas estava tão fraco que preferia que tudo terminasse só com menos dor possível. A sua mente não estranhava a presença de um eu criado pelo próprio eu. Insanidade? Não, costume, não era a primeira vez que tinha aquele encontro. Talvez na primeira vez tenha tomado um susto, mas aquilo não era uma alucinação. Era realidade e isso ele notou quando o seu primeiro personagem trouxe o leite quente que ele havia lhe pedido. No dia seguinte a sua mãe reclamou dele não ter limpado o copo após o uso, como era o costume da casa.

Mas nenhum era como ele. Na verdade, as personagens surgiam depois que ele criava muitas histórias sobre a mesma personagem. Mas esse não tinha descrição, nem uma história construída, apenas duas frases. Ele baixou a cabeça, esperando a violência que viria depois e veio. Seu corpo foi lançado contra a parede e o baque posterior fez a madeira da cabine no trem tremer, mas efetivamente não o machucou profundamente. A dor que veio depois não justificava o seu choro, que, de fundo emocional, projetava a angústia que residia em seu peito. As lágrimas fizeram o personagem parar na sua frente, ainda com o cabelo aloirado, como de um lindo anjo querubim, mas com o corpo volumoso ele parou para se questionar. “Você sabe o meu final? Acho que não. Você não devia fazer isso comigo, não parar no meio do caminho. Dê-me um final agora, termine a história, antes que eu mesmo a termine para você.”

“Então a termine, pois você foi apenas um momento e nada mais.” O escritor queria um fim para aquela agonia que sentia. Ele viajava, nesse momento, para o hospital e lá tinha tudo que ele queria e amava definhava e era a sua culpa. Assim como era sua culpa aquele ser, originado da sua cabeça pedir um destino para ele. Como ele poderia dar um destino a alguém se ele mesmo não tinha um a qual seguir. Ele, para seus personagens, muita das vezes agia como um pai, algumas vezes como a família que eles perdiam na história, mas a todo tempo ele era só um Deus tirânico que, para vender melhor a sua história, tirava tudo deles e os fazia sofrer. Ele, cedo demais, aprendeu que histórias tristes trazem mais dinheiro. Ninguém quer ler uma história que serve apenas como um quadro monótono de uma vida idílica. “Eu tomo, para mim, então a minha própria história e contarei ela da forma como eu a quiser. Dê-me a liberdade, não quero ser um ladrão, nem um artista fraco como você. Quero ter uma casa, morar com uma família e ser alguém que possa ter um ou outro filho que venha lembrar de mim depois e depois, quando morrerem, enfim ser esquecido. Eu tenho sonhos simples que ouro nenhum, de banco algum, me dará.”

O escritor realmente se esforçava para se lembrar da história que tinha cunhado para aquela pobre alma que queria saber o seu fim em um mundo. Porém, nada trazia a si a memória a respeito daquela história. Acabou desistindo, como vinha desistindo sempre nos últimos tempos a respeito de tudo. “Vá, não terá história com um final, escolha a sua e me deixe em paz, maldita criatura.” Ele baixou a cabeça e as suas lágrimas misturavam-se com a saliva, entrando por sua boca e saindo em bolhas que estouravam, o escritor era agora só desespero. O anjo aloirado virou e fechou a porta abruptamente e depois de alguns minutos ouviu-se o bilheteiro perguntando o nome, o qual foi prontamente respondido: “A partir de agora sou alguém".

Owen Phillips

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