segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Uma Noite Sem Luar - PArte II - A queda da máscara de prata



Walt passou a ser o seu nome há algum tempo. Ele cada vez mais era o nome daquela noite diante do Lord Slurth no meio do cemitério. Era um sonho noturno agradável, sua vida de menino de rua, havia sido trocado por brincadeiras, quase sempre nada fatais, mas muito engraçadas. Conheceu outros da sua espécie para longe de Londres, viajou, viu milagres. Tudo foi uma maravilha noturna de tonalidades cinzentas e silenciosas. Agora, naquele corredor escuro, o pequeno Walt, ou Balthazar Quilmes no seu nome mortal, se via com um dever, que dessa vez, poderia não ser tão inocente. Todas as portas haviam sido abertas, mas era no final do corredor que seu dever se encontrava e qual eram os perigos que o aguardava?

Por muito tempo Slurth ficou surpreso com a velocidade que Yshilan chegava aos locais. Slurth sempre se viu em desvantagem pelo controle que Yshilan tinha das artes da andança, mas, agora, isso seria usado ao seu favor. A voz veio baixa e grave “ Yshilan, você será meu adversário”. Slurt deu um passo vacilante a frente que foi detido pelo corpo gigante de Sinilas, seu dorso levantou a sua frente como um longo poste que bloqueava o seu caminho. O movimento, no entanto, abriu caminho do mascarado para Yshilan. O seu ataque foi certeiro em Yshilan, acertando o espaço entre a costela e o diafragma do Duque. Mas quando retirou a pequena faca, não havia sangue e o riso do duque era mostrado em sua face. Ele sacou rapidamente a espada da bainha, na altura do quadril, com o espaço reduzido, pela proximidade do ataque do mascarado, o cabo da espada atingiu o queixo do mascarado, jogando-o no ar e caindo alguns metros de distância. A máscara de prata rodopiou fora do descanso que tinha na face, essa mesma, agora, descoberta.

Walt havia percorrido todo o corredor, entrado em todas as portas, ou quase. Havia uma, no final do longo corredor. A sua porta não era majestosa, nem incrível, somente medíocre, copiava todas as anteriores. Mas o que mais ele temia era a fama de Lord Yshilan. Ele sabia que tinha sido fácil até agora, mas aquilo que realmente mereceria proteção era aquilo que as forças desse duque estariam investidas da melhor forma. Ele abriu a porta levemente e seus pés, assim como seu corpo, não emitia nenhum som, tal era a delicadeza dos movimentos. Pequeno e ágil ele procurou, por entre as estantes de livros, corredores e labirintos. Ele ainda via um livro e uma pena negra no meio da sala, mas algo o avisava que ali era um local para ficar distante. Ele andou mais até finalmente ver o facho de luz. “Fácil demais, Yshilan é só fama e nada mais”. Ele se virou e fixou o seu olhar naquele espelho que refletia a luz para o chão, ele havia chegado ao seu destino sem nenhum arranhão. Lord Slurth estava certo, um duque tão fraco como ele não poderia reger, talvez, quem sabe, o próprio Slurth e trazer de volta a glória vitoriana aos Sluaghs. Sim, isso seria perfeito.

Walt havia se perdido em seus pensamentos, se fosse mais atento, por certo veria e perceberia a pequena e sutil alteração de energia próxima a si, mas pagou caro pelo seu orgulho excessivo. Primeiro foi um livro que o atingiu na nuca, que o deixou tonto e confuso. Depois várias estantes caiam uma por cima da outra como imensas peças de dominó. Aquilo não servia para atingi-lo, mas dificultar a sua chegada até o espelho refletor. Walt sacou da manga a sua pequena adaga, que mais parecia um canivete crescido e lambeu os lábios e se esgueirou nas sombras. Queria antes saber o que havia ali e acreditava que se refugiando poderia descobrir mais sobre o seu agressor. Ele foi para detrás da estante, logo em seguida folhas de papel começaram a rodopiar ao seu redor, bloqueando a sua visão. Não adiantava se esconder, seja lá o que for o já tinha visto e, pelo jeito, não o perderia tão facilmente. Walt pulou para fora do alcance da queda das estantes um momento antes de toda cair com um forte estrondo. Correu em direção ao espelho, agora bloqueado pelas primeiras estantes que caíram e tentou passar pelo bloqueio. Enquanto tentava superar o terreno dificultoso, Walt era alvejado por afiadas penas tinteiro em sua direção. Ele tentava se esquivar e prestar atenção em qual direção vinha as penas, mas seja lá o que for, ou manipulava aquilo a distância, ou movia-se bem rápido para seus argutos olhos.

Walt enfureceu-se e jogou uma carta de tarô no chão e a rodopiou rápido, enquanto falava palavras tão baixas que até para um Sluagh seria difícil ouvir. Quando a carta parou, ele lançou ao longe a sua única arma, a adaga, rezando para que aquilo que o estava importunando fosse atingido. A parede foi a única coisa atingida. Fosse o que fosse aquilo, não seria atingida por armas quiméricas normais. Walt pensou que ela era rápida, ou forte o suficiente para superar o seu cantrip e tentou focalizar na sua principal missão. Ele olhou novamente para o espelho e, agora, mais próximo do seu objetivo deu um salto longo e vigoroso para o seu tamanho diminuto. Ele conseguiu agarrar parte do espelho. Somente parte, por que, de repente, ele começou a voar. Levitou a princípio, para somente depois começar a andar um pouco, balançando-se com força para fazer Walt descer. Naquele momento então notou, aquele pequeno ser deveria ter uma pequena estatura e pouca força, pois mal conseguia erguer um espelho de corpo inteiro. Esse mesmo ser voava e, por mais incrível que fosse, era invisível. Ele sabia agora o que enfrentava e aquilo não poderia ser o seu pior adversário.

Walt não pensou duas vezes, rasgou um pequeno pedaço da sua roupa mortal, que diretamente não influenciava o seu próprio Voile, e fez uma tosca luva que protegia a sua mão e com toda a sua força quebrou o espelho. Uma onda de choque propagou-se pela sala e pequenos pedaços de vidro e cristal espalharam-se pela sala, refletindo uma miríade de cores no ambiente. Agora, tanto o adversário de Walt, quanto o próprio Walt estavam caído. Restava Walt saber, o seu pequeno e mortal adversário estava acordado ou não? Ele tinha que ser cauteloso e em um piscar de olhos, mesmo com o corpo ferido pela explosão do espelho rastejou-se nas sombras e por lá se direcionou até o hall, onde acontecia a batalha principal.

Slurth sempre ouviu uma coisa a ser dita após a chegada de Yshilan, Alberanius e Athus. Alberanius era a espada e o poder, a bainha era Athus, onde a força residia e Yshilan era a mão que aos dois guiava. Isso foi uma metáfora importante na época da Guerra da Hera. Mas Alberanius há muito tinha abandonado Yshilan e, mesmo diante do seu poder quimérico, havia uma força que sempre impedia de um confronto direto Yshilan, a irritante presença de Athus. A inteligência, mesclada ao poder carismático de Yshilan, ainda era uma força a ser considerada na balança de poder dentro do Ducado dos Espinhos e aquele, aos olhos de Slurth era o momento épico que ele aguardava, mal conseguia disfarçar a satisfação. A máscara havia caído e o rosto era de um homem envelhecido, fraco, de cabelos prateados, olhos cinzas, a única coisa que lhe faltava no semblante era o maldito livro que sempre carregava contra o peito. Athus era o homem por detrás da máscara.

Aquilo paralisou qualquer ação, ou reação de Yshilan. Por um segundo Slurth podia sentir o amargo sabor da lágrima que teimava em querer descer dos olhos de Yshilan. A expressão do rosto de Yshilan mudou várias vezes, da consternação passou a raiva e da raiva veio o berro que inflava de vermelho o rosto de Yshilan: “POR QUE ATHUS, POR QUE? Responda”. Slurth sabia, ele devia estar usando o dom da sua casa Gwydion para obter maiores informações, isso só confirmava uma coisa, Slurth ganhou aquela luta. Em um rápido movimento Slurth ele tirou da mão pequenas linhas e fez da sua mão como se fosse um fantoche, Sinilas, a princípio tentou resistir, mas seu corpo foi lançado ao fundo do hall, quase acertando Walt que aparecia naquele momento. Ainda de frente para o rosto de Sinilas ele apenas disse: Mescle amor com raiva, mescle cansaço com descanso, mescle a mim com o sono que não irá o deter. Sinilas novamente tentou impor a sua vontade a frente de Lord Slurth, mas quedou-se ao seu encanto.

“Responda-me Athus, pois senão eu mesmo o mato aqui”. Slurth, encurvado e cínico surgiu das suas sombras e abriu um sorriso. “Não esbraveje Senhor Duque, não há como confrontá-lo aqui, não há como feri-lo e por isso já estamos de retirada, se o senhor permitir, é óbvio”. Yshilan não conseguia entender, será que Slurth havia entrado em definitivo em Bedlam nesse tempo que havia sumido, é claro que ele, duque da Casa de Gwydion jamais deixaria que eles se livrassem facilmente dessa, seria hoje que ele possivelmente derramaria pela primeira vez sangue Kithain. Com a espada sacada ele apontou para o corpo esguio e corcunda de Slurth. “Retire o encanto em Athus, agora mesmo sua cobra vil e peçonhenta”. Slurth mostrou ainda mais os seus dentes velhos e amarelados e contestou: “Foi uma péssima ideia senhor, foi mesmo, mas agora queremos sair, rápido, antes que a sua força nos mate. Eu reconheço que não deveria invadir, mas um Freehold vazio e fraco como esse poderia ser alvo de coisa pior, quem sabe o que os Pródigos poderiam fazer com esse poderoso Freehold”. Havia tanta zombaria e mentiras nas palavras de Slurth que Yshilan não precisava usar de seu dom nele. “Não, haverá um julgamento Slurth e você será julgado e condenado por esse crime vil que cometeu. Você violou uma das coisas mais sagradas para nós Kithains e não sairá impune dessa vez”. A voz da justiça de Yshilan enchia o seu freehold com uma raiva avermelhada e sangrenta, aquilo não era justiça, apenas vingança sanguinolenta. Sim, ali derramaria sangue Kithain senão fosse pela intromissão de Slurth.

“Senhor, gostaria que a Vossa Santidade, ohh desculpe, não sei qual é o pronome correto de tratamento. Mas não quero que a Vossa Senhoria derrame sangue de Kinain em seu freehold. Sim, sangue de Kinain, pois se eu e meus comparsas não sairmos daqui e agora, mergulharei o seu freehold em tanto sangue que tirá-lo daqui será um custo”. Yshilan ria daquela ameaça de que Kinain Slurth estava falando e antes que a pergunta fosse formulada e saísse da sua boca, a figura dos dois Redcaps se formaram e, com eles, estava a prima de Meg, Susan, amarrada, amordaçada e ameaçada pelos dois com armas quiméricas. Naquele instante ele percebeu que tanto um dos irmãos havia invocado a Wyrd, tornando a realidade quimérica mais próxima ao mundo banal. “Você acha realmente que irá escapar desse julgamento? Não, você não irá Slurth.”

Com apenas um manear da cabeça Slurth contestou. Ele ajeitou a própria roupa, andou pausadamente em direção a saída do Freehold, bateu na própria roupa, como se tirasse uma poeira fantasmagórica e disse baixo e quase sibilando: “Vamos e você, levante-se daí.” Com apenas uma mão ajudou Athus a levantar-se dali, com cuidado e presteza. Yshilan ainda lançou o seu corpo ofensivamente a frente, mas lembrou-se da longa amargura da perda de Meg do seu marido. Não podia fazer nada, o passo mais ousado a frente fez verter sangue do pescoço da Susan. Yshilan temia de raiva, enquanto uma alegria sombria varria a face deslavada de Slurth. “Não há feitiço nenhum lançado por mim em cima de Athus, Yshilan”. Ao som daquelas palavras, Yshilan soube que a verdade mais pura e cristalina saia dela. Quando os irmãos Crimson saíram pela porta, sendo os últimos e jogaram, por fim, Susan, desacordada a frente de Yshilan, ele não teve forças para lutar. A única força que ele passou a ter foi ali ficar, de uma vez por todas, parado, inerte, perdido dentro da sua própria auto comiseração.

Prólogo:

Eles demoraram a noite inteira até chegarem na caverna, porém era uma noite que os favorecia, era uma noite que todas as lâmpadas de Londres estavam apagadas, nenhuma televisão estava ligada e que as sombras eram tão mais escuras que se poderia reviver a época de terror londrino de Jack, o estripador. A caverna, assim sendo, parecia o próprio âmago das trevas, tamanha era a escuridão e a pouca luz originada de uma fonte artificial, a tocha, não era suficiente para iluminá-los. “Nós perdemos, não conseguimos o freehold, não consegui pegar o espelho. Quase fomos derrotados e, senão fosse pelo sucesso dos irmãos Crimson, a essa hora poderíamos estar sendo julgados por Lord Yshilan. Por certo Lord Yshilan venha nos procurar o mais breve possível e, quem sabe, até o Lord Protector compareça aqui.” Aquelas palavras viam cheio de pesar de Walt, com um pesar imenso, pois ele sentia que teria um dever a cumprir com o homem que o sempre ajudou. Slurth mostrou, através de seus olhos fundos nas órbitas, um lado paternal que não admitia na frente de nenhum outro compatriota dos Young Ones: “Não é bem assim Walt, eu diria que tivemos mais sucesso do que nunca. Quanto a Whitestone é isso que eu mais aguardo.” O riso dele não era alto, mas parecia um vento assustador que soprava na noite trazendo terror a todas as crianças que ouviam vozes naquela noite. Aquela foi a noite mais escura de Londres, sem Lua, sem luz.

Owen Phillips

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