terça-feira, 6 de março de 2012

Ao cemitério




Ele andava calmamente entre as enormes pedras silenciosas, os inúmeros retratos em preto e branco, as covas e criptas. Só os anjos rochosos choravam aquele horário, motivados pelo ácido das chuvas. Era tarde demais para qualquer um estar ali, mas ele tinha ultrapassado os últimos limites e o portão do cemitério estava atrás de si. O sapato afundava na lama ainda recente da última chuva e a força empregada para sair daquela lama se tornava exponencialmente cada vez maior, cada vez pior. A única parte que não se cansava do seu corpo eram os braços que carregava, colado ao corpo, o buquê. Era o último horário que possuía, o último momento, não havia outra hora para celebrar e lembrar, a não ser aquele horário, na noite avançada. Ele estava cansado do dia e da claridade e de quanto havia trabalhado. Cada passo e estava mais próximo, mais e mais perto. As suas lágrimas se aproximavam das suas órbitas, a vermelhidão, nos seus olhos, a saliva aumentava na cova de sua boca e o seu nariz fungava o líquido que, até por ele, queria sair. Era virar uma esquina, apenas uma, para que pudesse depositar o buquê, só isso, rezaria, lembraria e, antes que amanhecesse, sairia dali. Ali ele não poderá estar, era vergonhoso para si chorar aquela perda, morrera há muito tempo e até os espíritos dos mortos devem ter cansado de tanta lamúria. Habituou-se, a partir de então, a chorar quando a noite lhe encobriria seus passos, seus destinos e de tão perto do sono poderia mesmo dizer que estava dormindo e não faria aquilo de propósito.

Virou a esquina e só havia um buraco, um fosso, onde deveria haver uma lembrança, uma pedra que manteria aquilo enterrado e forçado no chão. Não era um buraco irregular, mas algo escavado, milimetricamente calculado. No lugar da lápide, com o nome do seu choro e saudade, estava apenas outro buraco. Ele pensou em gritar e chamar por ajuda, mas lembrou-se que naquela profundidade do cemitério ninguém o escutaria, ninguém chegaria para socorrê-lo. Ele decidiu ver se havia ainda um caixão, se houvesse, depositaria o buquê e depois teria uma conversa com o coveiro e com os responsáveis com os restos mortais ali enterrados. Aproximou-se corajosamente e teve a surpresa que tudo que enxergou foi apenas um vazio negro e profundo, algo que nem o som ousava chegar. O pulo para trás, a princípio por susto, veio a se tornar mortal. A terra fofa serviu como uma armadilha onde o atrito havia sumido após a queda estava a serviço do atrito que havia sumido. Após, a beirada do buraco retangular se tornou uma pequena cachoeira, onde seu corpo foi levado com a força e uma enxurrada. Seu corpo depositou-se bruscamente no fundo do fosso, partes do seu corpo estavam doídas, enquanto outras partes haviam sido arranhadas e machucadas. Ao levantar sentiu a dor na altura do cóccix. Aquilo surgiu rapidamente em sua mente cercada pelo negro. Devo sair daqui e rápido, antes que o pior possa acontecer, antes que não possa mais sair daqui. A sua mão tateou ao redor buscando raízes e formações irregulares na parede, o que se mostrou um fracasso por completo. Mas não houve tempos para muitas tentativas, quando prestou atenção para saída do buraco percebeu a sombra que se projetava para baixo. Os seus olhos só encontraram o brilho amarelado e ouviu: “Agora não mais sairá daqui”. Antes que assentasse as últimas pás, o corpo enterrado estava vivo e ele sabia, nas suas últimas conjecturas, que foi enterrado pelas próprias memórias que não poderia esquecer.

Owen

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