quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Uma Noite Sem Luar - Parte II - As sombras e a Serpente




Para nenhum deles havia qualquer passo vacilante diante da escada escura, para os três que desciam a escada no escuro, não havia medo, mesmo que o barulho a frente, um forte silvo, atemorizasse qualquer um. Quando, ao final do último degrau, a luminosidade castanha do freehold se apresentava, ora pelas tochas quiméricas que nunca se apagavam, ora pelos nuncas que detinham a mesma tonalidade de cor, os recém chegados alcançaram o hall de entrada do freehold dos espinhos. Eles foram recepcionados por essas pequenas quimeras que não conheciam inimigos nem amigos, mas esses também foram os primeiros a se alvoroçarem e fugirem posteriormente, ao saque da pequena adaga quimérica nas mãos do sluagh Walt.

O hall se estendia em um longo tapete vermelho, com trançados geométricos e as paredes laterais desfraldavam longas malhas que quase tocavam o chão e nelas cingiam o símbolo de uma águia estilizada segurando em uma das garras um besouro negro. Ao fim do hall surgia três pequenos degraus e um trono central. O trono não estava só, uma imensa serpente enroscava onde havia a cadeira “real”. O silvo, longo era produzido pelo vibrar daquela língua bifurcada que pressentia a chegada dos invasores.

“Sinilas, quanto tempo, nobre amiga”. O velho atrás de Walt, Slurth, saia do fundo da comitiva, chamando a atenção para si. O mascarado ao seu lado só olhou da face de Slurth para a cobra e da cobra para o velho Sluagh. “Sim, dentre as muitas coisas roubadas por Lord Yshilan, uma delas foi a minha inestimável parceira Sinilas”. A cobra abriu a boca e posicionou-se para o combate, com mais da metade do corpo ereto, mostrava o seu tamanho, que quase chegava ao teto e o resto do mesmo corpo, pousava ao redor da mesma cadeira. “SSSSSSSSssssssshh Cale-sssse SSSSsssslurth, daqui você não irá passar, mais um passo que der, eu irei investir em ti”. Apesar da ameaça, tanto a cobra, quanto Slurth sabiam o resultado daquela contenda, ao menor movimentar dos braços e do corpo de Slurth, Sinilas seria derrotada e toda a sua composição quimérica poderia ser redesenhada pela vontade soberana daquele velho bruxo nominalista.

“Detenha-me então.” Essa foi a ordem de comando, Walt, que havia já se esgueirado para as sombras, desde a chegada ao hall, agora corria por ela com velocidade e cautela para as portas que se encontravam a passos a esquerda e a direita da cadeira, que ficava no meio no centro do hall, porém mais ao norte. Bem por causa disso a cobra se enroscava na cadeira, o que dava a ela mobilidade para impedir a passagem por uma daquelas portas, fosse com a cabeça, ou com um golpe com o rabo. Toda a extensão da cobra poderia cobrir o espaço entre as duas portas e sobraria, ainda, sobrava um pouco de couro de cobra para continuar enroscado no trono.

Walt correu, a simples ameaça do corpo de Sinilas de cair para a esquerda, direção que tomava Walt, fez com que uma pequeno dardo voasse pelo ar e atingisse a parede ao lado da serpente. Sinilas teve que parar, enquanto Walt passava. Fosse quem fosse o mascarado, o problema não seria a maior contagem, mas sim o próprio Slurth e Slurth sabia de sua própria vantagem, diante da serpente.

“O que vocccccê pretendesss aqui, SSssssslurth?”, Sinilas pretendia atrasá-lo com perguntas, esperava que com essa atitude o fizesse atrasar o suficiente para que viesse o reforço. “Tomar aquilo que não há proteção, se não há proteção, se o glamour não está sendo garantido proteção, então deve ser tomado, antes que a banalidade o faça. Ou seja, vim salvar você e todos as quimeras que fazem aqui residência”. O som gorgolejante da sua fala terminou com um sorriso que era ao mesmo tempo sarcástico, quanto diabólico. Antes que a serpente pudesse desviar, voou outro dardo, saindo rápido debaixo das mangas de Slurth. Apesar de ter atingido Sinilas, os dardos não foram suficientemente fortes para passar pela grossa camada de escamas naturais da serpente, que veio em investida para os dois invasores.

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Em meio ao escritório, o pássaro voava e revoava, grasnava de uma forma selvagem e incontrolável. Ele tentava chamar a atenção do homem que estava sua frente, mas esse só queria que ele sumisse o mais rápido possível. Da sua boca nojenta um líquido escuro e fedido saiu, parte daquele jorro caiu na estáua onde estava empoleirado, mas seu gesto rápido foi invisível para os olhos daquele homem e deixou parte daquele líquido nojento cair no copo de café que ele usava para beber. A ave fez um rasante e passou pela janela aberta e do lado de fora esperou, espreitando nas sombras. Depois de alguns minutos o mesmo homem bebeu do café e um luta sutil deu início. A frieza da banalidade gradativamente cedia espaço para a beleza do glamour que preenchia o ambiente com calor e brilho. A ave, já homem bateu na janela, yshilan virou e perguntou o que você aqui faz. Corbin apenas abriu um sorriso e começou a tagarelar as mentiras, as melhores que poderia contar.

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O corpo pesado atingiu o ponto preciso entre o mascarado e Slurth, que tiveram apenas que desviar um para cada lado. Sinilas percebeu, nessa hora o erro, ela tinha ficado de alvo entre os dois agressores, tendo agora dois alvos em direção diferente, tornaria o trabalho de esquiva dela muito mais complexo. O mascarado sacou uma pequena besta que mirou em um dos olhos da imensa cobra, porém, um pouco antes de atirar, o corpo pesado da cobra esmagou ele contra a parede, fazendo com que isso baixasse a guarda da cobra para uma investida forte de Slurth no corpo da serpente, bem próximo do ouvido quase surdo da serpente ele disse: “Redença agora quimera burra, antes que eu realmente queira acabar com você” Ao dizer isso Slurth jogou o seu peso na pequena faca, encravando-a mais fundo e posteriormente pulando para trás. A serpente abriu a sua imensa boca e da bolsa de veneno que se escondia debaixo da língua bifurcada projetou um longo jorro de veneno e ácido que saiu verde e causticante. Ainda que Slurth tenha conseguido pular do ataque, a sua velocidade não fora o suficiente, causando um pequeno dano na altura de sua perna. “Ótimo”, pensou Sinilas, “agora é a minha chance de esmagá-lo constrigindo o seu corpo”. O seu rabo voou como uma seta, desenroscando da cadeira e indo em direção a Slurth. Enquanto o rabo se aproximava as mãos de Slurth encravavam na própria pele, como se ele quisesse se ferir, da sua boca saiu uma voz pouco conhecida, ainda que baixa. Enquanto essa cena de autoflagelação era executada, a cobra passou a se contrair de dor. A faca encravada por Slurth começava a rodar e penetrar mais fundo, por vezes, a mesma faca afrouxava, rasgando parte da pele e da gordura, indo mais fundo. Em meio a sua concentração no cantrip Slurth disse: “Então Sinilas, onde está aquele que deveria te proteger, não você a ele.”

A resposta veio rápida. O corpo, ainda que altivo, demonstrava uma velhice que não pertencia a Yshilan há anos. A barba por fazer, as roupas quase sem brilho ou vigor, constatavam com a memória que Slurth tinha daquele duque, a banalidade cobrava um preço, por vezes alto, ainda que sutil. Slurth apenas riu, mostrando uma risada insana, enquanto sempre poderia contar com as artes das andanças, que Yshilan, no qual Yshilan era um mestre insuperável.


Owen Phillips

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