quarta-feira, 2 de junho de 2010

O Vaso e a tempestade




Era um vaso lindo, "porcelana", por certo, chinesa, "com certeza", "perfeito", "claro, foi uma fortuna, mas você mereceu". Os comentários iam deslizando como agrados pelo presente, todos se encantavam pelo novo objeto. Motivo, estética? Não, claramente diziam os elogios que queriam receber quando algo tão novo e belo viesse cair em suas mãos, pois como dizer algo de tão belo sem antes sequer, entender a sua função. Digo isso, pois o próprio vaso não serviria para arranjos de planta, a parte mais ao fundo era quase reto e o líquido ou terra que ali ficasse, por certo, não alimentaria muito mal uma planta. A planta, se crescesse, ainda assim, não poderia se expandir tal a finura da boca do vaso. Mas era lindo, como era lindo, ao menos todos diziam a sua beleza, eu agora tinha lá as minhas dúvidas.

Mas, como na vida, tudo tinha uma função, esse não era diferente. A boca do vaso era tampada, como a própria caixa de pandora e talvez por isso a função de todo bom vaso havia sumido dele, não se poria nada em cima, já que a própria boca se encontrava selada. Guardei o vaso, deixei na parte mais alta e nobre da casa, aquela em que poderia ser visto por todos, admirado, desejado, invejado e até inalcançável. Tentei me lembrar de como pus lá o vaso, mas a memória falhava. Buscava essa recordação para que pudesse tirar de lá aquele velho vaso e limpá-lo, tirar as teias de aranha, abrir aquele gargalo e ver o que tinha dentro e quem sabe colocá-lo em algum lugar novo.

Creio eu, que essa medida se devia muito a necessidade que eu tive de mudar toda a decoração da casa, ela tinha um ar soturno que sempre me encheu de energia, mas quis trocar a cortina, depois, para combinar, pus um novo carpete, então, percebi que nada mais combinava com nada. O pior, que toda a decoração anterior seguia o viés daquela porcelana cara que trouxe eu das minhas longas viagens por paragens mediterrânicas. Era a porcelana a primeira ter entrado e seria a última, por certo a sair.
Subi na escada, infelizmente ninguém dava-me apoio abaixo para subir nela, despenquei no chão e o nariz sangrou. Parei para cuidar dos feridos e tentei novas abordagens. Pensei em laçá-la, mas eu que sempre fui ruim com laços, cordas e toda a destreza física, pus a acertar coisas que não deveria. O vaso continuava incólume, perfeito em seu mar de teias e sujeiras. Pus almofadas espalhadas pelo chão e passei a minha nova tática: jogar pedrinhas, pequenas o suficiente para não quebrar o porcelanato fino, mas suficiente para desequilibrá-lo, levá-lo ao chão afofado pelas almofadas. Errei todas as minhas tentativas.

Pensei, refleti, calculei, cansei. Abri a janela para observar melhor a tempestade que começava e observar os raios, esse espetáculo vivo de potência da natureza. Só que o vento trazido pela chuva, a força da tempestade, arrancou rapidamente as janelas frágeis que ali ficavam e me ajudavam a divisar mundo e casa. A chuva adentrava na minha casa com uma força descomunal, incontrolável, impenetrável, insana, porém, divertida. Divertida por que passei a ver as coisas esvoaçando e planos de decoração indo, literalmente, água abaixo. O som da chuva fazia sons vindo dos céus e eu recebia aquela potência completamente no peito. Não era um Deus louco, nem um vigia pelo desastre, era somente um eu levado por uma sensação incomum e para mim o natural era o incomum até então.

Como tudo, até a chuva passou, pus o que sobrou da janela no lugar, eu ainda precisava da janela e da porta para saber onde era o começo da minha casa e o início do mundo. Olhei para os lados e cortinas destroçadas, carpetes arrancados, quadros revirados. E eu mesmo, pouco poderia fazer para deter tamanha fúria ancestral, quase titânica, tive que deixar aquilo revirar todo o meu aposento. Acabei indo para a cozinha preparar um chá, mas acho que me machuquei com o caco de alguma coisa que estava no chão. Doeu um pouco para tirar, o pedaço era feio, fino, frágil e pude notar nele uma inutilidade ancestral, joguei fora, não preciso guardar cacos de algo tão velho.

Owen Phillips

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