sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Uma noite sem Luar - Parte I


Uma pequena neblina eclipsava todo o pátio abaixo. Brinquedos infantis, gangorras, e travas de futebol eram apenas vultos leitosos nessa noite e essa era uma noite sem luar. Os brilhos da cidade londrina, as nuvens e a poluição escondiam todas as cores do céu. O vulto enegrecido erguia-se na ponta do telhado, do mais alto prédio daquela região. Aos olhos desse vulto, a escola, com seu pequeno parque, brilhava com uma luz oculta, quimérica que poucos notavam e aquilo o arrepiava em um sentido que nenhum mortal poderia ter. Para ele aquilo não era simplesmente uma fonte de poder, mas era um instrumento de vingança e ele riu. A figura pequena aproximou-se a figura oculta nas trevas e, como um pedinte sussurrando avisou: “A máscara já foi posta senhor, ao meu ver, o trabalho ficou muito bom”. Em um gesto, o mesmo ser apenas fez com que ele se calasse. A voz saiu do capuz, como a voz de uma gárgula que cuspisse água da chuva: “Onde está Corbin?”. O jovem, que apareceu logo em seguida, trazia manchas negras na altura do nariz, as sobrancelhas grossas e com a parte do maxilar posterior mais proeminente, traços, que pela escuridão ao redor, fazia uma mescla de homem e corvo.

“Sim, fale” A voz esganiçada parecia o som produzido pelo arranhar de garras em um quadro negro. “É a sua hora Corbin, faça o que eu lhe pedi e só temos uma chance. Vá.”. Enquanto o vulto olhava ao redor, buscando os irmãos Crimson, a ave negra surgiu das suas costas, voando para o mais longe possível. “Senhor, não sei onde está Al e nem Gal.” Não se poderia dizer se aquilo o havia contrariado, ou, até mesmo feito feliz, já que nenhum traço do seu rosto poderia ser visto por debaixo do escuro que o capuz projetava, mas Walt, o pequeno garoto pedinte, sabia que tanto Gal e Al poderiam ser ganhos importantes para essa investida. “Eu sei Walt, os dois estão sumidos há duas semanas e isso me preocupa”. Não havia nele um tom real de preocupação, mas apenas uma pequena ponderação, o único lugar que os faria desaparecer tão prontamente, seria, agora, o único lugar que ele não tinha poder para alcançar. Se isso fosse verdade, se esse pensamento fosse real, alguma informação havia sido omitida dele. Não era hora para aquilo. Os seus olhos percorreram e via, estavam todos lá. Que começasse o ataque definitivo.

----X--------X-------X

Os quadros inúmeros da parede eram testemunhas perpétuas, ao mesmo tempo que serviam como um isolante térmico, tudo ali era frio para ele, não importava o calor que havia. Mergulhado em papeis, cercado por trabalho, o homem que estava ali não resplandecia, nem brilhava. O seu pequeno e minúsculo apartamento não era de verdade a sua casa, mas antes um esconderijo. Ele sabia que estava sendo perseguido, para cumprir o seu objetivo, teve que pisar em alguns calos poderosos e isso teria uma reviravolta, em breve. Mas ele não se lembrava qual era o seu real objetivo, apenas uma certeza de que aquilo deveria ser feito e com urgência. Seus planos poderiam ser reduzidos em: cortar financiamentos, demitir pessoal, redirecionar propaganda, apagar fitas de vídeo comprometedoras. Trabalhos que gradativamente apagavam nele alguma chama poderosa e antiga, algo que ele devia preservar.

Naquela noite ele sonhou com reinos de névoa e com uma antiga dama a cantar para ele usando uma harpa. Ele se via deliciando com aquela harpa, a sua voz delicada dizia: “Yshilan, volte para mim, para mim... para... mim... mi”. O som plácido foi cortado por ruidosas batidas na porta. Ainda sonolento o homem foi atender, enquanto andava se perguntava: “Quem poderia bater em minha casa em uma hora tal?”. Ao abrir a porta não havia ninguém, nem perto e nem longe no corredor, havia aquele silêncio imorredouro de um prédio que levava ao fantasmagórico. Um pouco antes de bater a porta pesadamente, uma leve lufada de vento foi sentido.

Quando já na sua sala, escritório e dormitório, Sir Steven Lancaster viu um corvo aninhado em um velho busto de uma dama que usava um elmo. Como em um arremedo de uma poesia antiga, ele quis espantar aquele corvo, mas algo havia nele, alguma mensagem e, um lado por ele esquecido há semanas, não poderia rejeitá-lo. Ele aguardou, até que pudesse entender a mensagem daquele corvo, ou até que aquele velho calor queimasse todo o gelo que o prendia aquela forma mundana.

--------------------X-----------------X-------------X-------------------X

Qualquer um que passasse por aquela velha escola, saberia que algo muito ruim estava para acontecer. Um grupo de dois encapuzados estavam na porta, seguido por crianças que no mínimo seriam ditas como sem lar, perdidas ou moradores de rua. O que era escondido pelo glamour seria algo bem mais tenebroso. Mas não havia ninguém naquele horário passando por aquele pequeno distrito residencial em Londres e sem ninguém a observou, jamais descobriram como aquele portão caiu. Duas crianças urraram, filhos do próprio terror. Seus cabelos vermelhos eriçavam, brilhavam em escarlate, enquanto suas bocas desproporcionais ao próprio corpo babavam em fúria e horror. Suas vozes pareciam de mil gritos humanos e o seu tamanho diminuto escondia a força que eles detinham. Os irmãos Crimson berraram como se estivessem em um festim de sangue dos mais violentos. O irmão mais velho correu em direção aos fundos do pátio da escola. Enquanto o grupo principal se destacou em direção aos fundos da escola, próximo a entrada escondida do porão. Naquele momento o barulho já tinha desperto tudo que havia lá.

Primeiro ouviu-se um longo pio, posteriormente o bólido penoso tinha como alvo a figura negra principal e que estava no meio, que era Slurth, mas antes que alcançasse o mesmo, barras de metais retorceram como serpentes e enroscaram na ave quimérica, primeiro nas patas, depois as asas e por o último só ouviu o piar, que era um misto de socorro e aviso. Ele pensou “Não preciso que ninguém diga que estamos aqui”, veio então a ordem: “Walt, após conseguirmos entrar no freehold, vasculhe-o todo, nós daremos cobertura . Você sabe o que eu quero, então, traga". A porta do porão foi aberta com cuidado por Walt e, ao longe, ele poderia ouvir o sibilar leve daquele monstro que seria o seu adversário por algum momento. O vento que soprou em seguida moveu as suas vestes e de seu companheiro mascarado como se as próprias vestes tivessem vida tentacular. “Entre Walt e vocês também, vamos”. A escuridão e a neblina os encobriu, mas nenhum deles se importou com isso.

To be continued

Owen Phillips

1 comentários:

Anônimo disse...

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um Corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nenhum momento,
Mas com ar sereno e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.
(...)
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho Corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o Corvo, "Nunca mais".