quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Cassandra


Cassandra

Ela era estranha. E isso era o mínimo que se poderia dizer dela. A pequena Cassandra nunca aprendeu a falar e nem ao menos a chorar. Muito antes de tudo, ela aprendeu a sorrir e, quando, naquele momento que a criança apanha para expandir os pulmões, ela gargalhou. Sorriu e riu de se engasgar, de ser levada para o hospital, de ser enfiados tubos pela sua garganta, mesmo que ela não parasse de mostrar ao menos uma leve expressão de sorriso. Claro que ela sobreviveu e, ufa, cá entre nós ela não poderia ter morrido, não assim.
                A pequena Cassandra, quando pequena conheceu todos os médicos londrinos e só não foi para além-mar, porque seus pais nunca tiveram dinheiro para essa extravagância. Os médicos, no entanto, não sabiam o que Cassandra tinha e eles queriam acreditar que Cassandra tinha alguma coisa, porque ela sorria sempre e sorria demais. A mãe sabia que Cassandra tinha feito alguma coisa, quando ela ria mais alto e então ela deduzia que ela tinha se sujada toda, ou que ela estava com fome, saber quando dormia é só quando o barulho das risadas acabavam. Quando pequena, a pequena Cassie deu muito trabalho, mas cá entre nós, o trabalho era de quem queria saber mais sobre a menina, porque a menina não estava nem aí para nenhum deles. E era chegar nos médicos que quase todo médico acabava rindo daquela menina levemente peralta, de riso farto, de alegria espontânea.

                Pequena Cassie demorou a aprender a falar, demorou para se adequar na escola, demorou demais, porque ela não sabia entender porque tamanha pressa em tudo e nas pessoas. Ela já tinha entendido há muito tempo que não precisava correr, só andando que a gente enxergar melhor os detalhes das coisas. Foi rindo que ela cresceu, foi rindo que ela floresceu como uma sem-vergonha que dá em qualquer canteiro e torna ele bonito do mesmo jeito. De um jeito simples, para não muito além da própria simplicidade.

                Foi naquela noite mais longa que isso aconteceu: Cassie ficou de cama. Como uma flor que definha e enegrece, foi como começou. Sua pele se tornou mais alva e seus olhos perderam o brilho, uma fraqueza sem fim se abateu no corpo e uma febre vinha e voltava, debilitando-a. Os médicos seguiam em romaria para o seu quarto e, é claro, teve um deles, o mais louco talvez, deu o diagnóstico estranho: “Senhora, ela está morrendo de tristeza e não há remédio que a faça melhor”. A mãe passou a ser uma enfermeira exemplar, largou o emprego, largou a casa e viveu as custas de agradar a sua filha acreditando que poderia fazê-la feliz se fizesse aquilo que ela queria. Deu os brinquedos que ela, a mãe, achava que a sua filha melhoraria, as comidas mais rebuscadas, ou as mais caras e, até as mais simples, ela o fez. Palhaços, brincadeiras, adivinhas, cachorros, gatos e até um papagaio entrou nessa história. Mas a tristeza não mais a abandonava. E então a mãe falou:

“Queria minha filha, que essa tristeza saísse de você, mas nem sei mais o que fazer para isso, me ajuda a ajudar você.”

“Mas mãe, tristeza não é uma coisa que a gente tira, tristeza é quando uma coisa nos falta.”

A mãe preocupada disse:

“Mas o que lhe falta filha? Diga que a sua mãe corre para te dar.”

Cassie olhou com aqueles olhos grandes e esboçou uma reação que não mais veio e disse em tom fúnebre:
“Falta o meu sorriso mãe.”

Quando ela fechou os olhos e a lágrima caiu, Cassie não mais acordou.