O céu pintava algumas colorações
de vermelho, mas isso não diminuia nenhum pouco a temperatura, que nos últimos
anos só poderia ser descrita como insuportável quase todo ano. A camisa branca
estava grudada no peito, um efeito que poderia ser sexy, mas agora, era só
nojento devido ao suor que era constante. O fone no ouvido era um instrumento
de distância necessária, mas isso não o impedia de acenar para o porteiro que
já o conhecia há alguns anos. A subida foi difícil, mas naquela idade que
chegava, as coisas iam se tornando vagarosamente difíceis para qualquer um. Ele
não se punia, tinha deixado de ir a academia fazia uma semana, mas uma vez por
semana, depois do trabalho, ele subia aquelas pedras de paralelepípedos e era
cercado por aquelas arvóres centanárias. O tom neocolonial e a cor levemente
azulada o irritava e ele tinha certeza de que o irritaria também. Até mesmo
que, como ensinado, até o ódio por coisas simples poderia ser instruído, de um
jeito ou de outro.
A enfermeira não saiu antes do
tempo, com a sua roupa branca impecável o estava esperando, o coque, preso
atrás em uma longa armação, fazia dela uma imagem limpa, ética, higiênica. Ela
o acenou, de forma falsamente amigável e logo se pôs a se apressar ao lado
dele. Ele, aquele homem adulto, queria perder o tempo admirando o chafariz, ou
perceber a delicadeza das plantas, mas sabia que nada daquilo sequer era real,
tamanha beleza só servia para esconder o horror que era lá dentro e fez esse
caminho, deixando a sua vontade para trás, assim como a sua paz.
“Acredite, ele anda melhor do que
antes. Apesar de não ter relação nenhuma com a realidade...” Ela engasga quando
ele a fuzila diretamente por trás daqueles óculos, transmitindo um eterno ar
frio. Ela se recompõe e mantém a lista de informações que deveria dizer e
corrige: “... ele ainda continua a enxergar apenas o passado, e falar apenas
dele, não nenhuma comunicação com o presente.” Ela prontamente ignorou
completamente qualquer olhar do rapaz e o mesmo, prontamente, não precisava
entender o que ela estava dizendo, já que seus olhos, ao chegar ao pátio, se
lançou a olhar o pátio, procurava, procurava e procurava. Ele sabia que estava
ali e, sim, estava. Cavucando o chão ele tentava desenterrar alguma coisa. Suas
roupas sujas, tinham quase a mesma cor das suas mãos e o pouco cabelo servia
apenas para tampar a testa que se abria em um formato quadrado. A cor cinza
tinha tomado conta do seu couro cabeludo e o seu filho sabia que seu pai, até
nisso, ficaria feliz.
“Pai? O que o senhor procura?”. O
amor não era só nas palavras, mas também nas ações de não julgar ou humilhar o
homem, velho e decrépito, a sua frente. “Eu tinha enterrado ele perto da
morangueira, eu queria tirar ele daqui, mas eu não achei a morangueira, agora
quero ver se não tá em outro lugar. A minha mãe deve ter guardado, mas eu a
chamo e ela não vem.” O filho apenas apoiou o ombro do pai. A mãe dele tinha
morrido há algumas décadas e ele não sabe se a morte da sua avó desencadeou
isso, ou se parte dele sempre foi assim. Claro que ele só foi para o asilo
depois que perdeu totalmente a conexão com a realidade, após a morte do marido
dele, o seu outro pai. Nesse instante ele deixou simplesmente de reconhecer
qualquer pessoa. Ele tirou o pai dele dali. Levou até um banco e tentou
conversar com ele. Os olhos vazios, pareciam estar entregues no seu próprio
mundo de faz de conta, que ele mesmo nunca conseguiu entrar. Claro que ele o
leu, mas nunca conseguiu entender, nem a relação das personagens e nem o que
tudo tinha relação em si.
“Comprei uma nova casa e devo me
mudar com a Claúdia em breve para lá. Pai, eu vim te contar uma notícia: Você
vai ser avô.” Seus olhos marejados esperaram qualquer resposta daquele ser a
sua frente e ele apenas dizia: “Só preciso de mais cinco pontos e depois disso,
vou poder entrar”. Quando não repetia palavras que não tinham conexão nenhuma e
ele continuava repetindo números, falar e referências perdidas que ninguém mais
tinha. Seu pai estava longe, longe de qualquer salvação. Ele segurou as suas
coisas e ia levantando, quando o velho começou a repetir: fone, fone, fone,
fone, fone. Quando quase começou a berrar, ele tinha percebido o detalhe, ele
estava com fone de ouvido desde o início da conversa.
Ele tirou o fone, guardou na
mochila, abriu o sorriso, enquanto a noite caia, tampando com uma fina camada
de escuridão o jardim, enquanto as últimas enfermeira tiravam seus pacientes
para os quartos. Ele segurou seco a emoção, que vinha forte nele, olhou para o
rosto do pai, com veios grossos que cruzavam o seu rosto, e esperou a fala
coerente que poderia vir.
“Tem um lobo de escamas, o que você vai fazer?”. A escuridão terminou de pintar tudo em tons de azul escuro, enquanto as lâmpadas acendiam com luminosidade levemente amarelada nos postes do jardim.
A enfermeira tocou no ombro dele e com um olhar de pena cruzou o daquele homem, que estava irremediavelmente chorando. Suas lágrimas caiam, como em uma torneira sem fim, ainda que sem uma expressão ou outra surgisse em seu rosto. Sem que houvesse uma pergunta ela começou a responder: “A parte que compõe a nossa memória é a mesma que compõe a nossa imaginação e sonho, lembrar de algo é ao mesmo tempo sonhar com aquilo e parte imaginar aquela mesma coisa. Por algum motivo, que não sabemos, seu pai só vive agora no passado de 20, 30 anos atrás, ou, quem sabe, mais. Ele não tem nenhum dano no cérebro, não sofre de nenhuma doença degenerativa, ou qualquer elemento diverso. Mas parece que decidiu viver em um passado que não existe mais do início do século. Por conta disso, que ele está e você, melhor do que eu sabe disso. Não se culpe e nem culpe a ele”. Ele secou o rosto, com a gola da camisa, fungou forte, para puxar o nariz que havia entupido, cerrou os olhos e se levantou. Deixava para trás a única família que conhecia e ia a frente querendo construir a sua própria, a partir de agora. As sombras e o silêncio do local, não permitiram que ele ouvisse, de longe e por entre os dentes, um “Tchau, Miguel”, que o velho disse sussurrando.
“Tem um lobo de escamas, o que você vai fazer?”. A escuridão terminou de pintar tudo em tons de azul escuro, enquanto as lâmpadas acendiam com luminosidade levemente amarelada nos postes do jardim.
A enfermeira tocou no ombro dele e com um olhar de pena cruzou o daquele homem, que estava irremediavelmente chorando. Suas lágrimas caiam, como em uma torneira sem fim, ainda que sem uma expressão ou outra surgisse em seu rosto. Sem que houvesse uma pergunta ela começou a responder: “A parte que compõe a nossa memória é a mesma que compõe a nossa imaginação e sonho, lembrar de algo é ao mesmo tempo sonhar com aquilo e parte imaginar aquela mesma coisa. Por algum motivo, que não sabemos, seu pai só vive agora no passado de 20, 30 anos atrás, ou, quem sabe, mais. Ele não tem nenhum dano no cérebro, não sofre de nenhuma doença degenerativa, ou qualquer elemento diverso. Mas parece que decidiu viver em um passado que não existe mais do início do século. Por conta disso, que ele está e você, melhor do que eu sabe disso. Não se culpe e nem culpe a ele”. Ele secou o rosto, com a gola da camisa, fungou forte, para puxar o nariz que havia entupido, cerrou os olhos e se levantou. Deixava para trás a única família que conhecia e ia a frente querendo construir a sua própria, a partir de agora. As sombras e o silêncio do local, não permitiram que ele ouvisse, de longe e por entre os dentes, um “Tchau, Miguel”, que o velho disse sussurrando.
Owen Phillips
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